terça-feira, 20 de maio de 2008

Confiança

Omiti uma breve passagem da minha história, mas não se preocupe leitor, não pretendo lhe esconder nada. Essa omissão foi de algo aparentemente banal, mas que tem grande significado se analisado devidamente.

Já estávamos instruídos sobre os lugares que deveríamos atacar e andávamos juntos embora chamar o que tínhamos de grupo era impróprio, de companheiros, seria infantil. Eu só pude aprender o verdadeiro significado dessas palavras quando vi a morte pela primeira vez nos olhos. Quando tudo o que se tem é uma espada nas mãos e alguns homens que desejam sobreviver tanto quanto você.

As arenas são lugares difíceis de se esquecer.

Sem mais delongas, andávamos pelo porto. Um lugar deprimente e corrompido, abandonado à própria sorte e berço de baderneiros e criminosos. Foi justamente um par dessas escórias urbanas que nos abordou. Embreagados, o primeiro se aproximou e eu imediatamente pensei que o infeliz atentaria contra as nossas posses. Mas a idéia que ele tinha era ainda mais estúpida.

Se colocou no meu caminho e me ofendeu, depois disso, me desafiou. Como o leitor já deve ter percebido, eu não sou um juiz. Não suo apto a decidir quem é bom ou mau, meu dever é neutralizar qualquer um que ofereça qualquer risco à Klaus Larousse. E nesse esforço me é permitido levar o combate até as derradeiras conseqüências. Logo, se não tenho reservas em matar mulheres, crianças, autoridades, idosos, plebeus e enfermos. Imagine com que facilidade me lançaria sobre um par de vagabundos inúteis.

No entanto não estava disposto a fazê-lo. Não antes da provocação. Após a afronta dei-lhes o descanso eterno. E é aqui que este evento adquire importância ímpar.

Não escondo o que sou. Ser combatente é minha natureza e combater é um prazer. No entanto um combate só é interessante se houver um desafio, e matar bêbados deixou de ser um desafio pra mim faz muito tempo. Além disso, dificilmente eles seriam ameaça para o mago sob meus cuidados. Então, o leitor desatento pode perguntar: se não queria e não devia, por que o fez?

A explicação é simples, não queria, não devia, mas tinha. Ser soldado, depende de sua afinidade com a espada, ser Cavaleiro de Thay, depende de um domínio excepcional do combate, mas mais do que isso, depende de ter a confiança incondicional do Mago Vermelho a quem se serve. Eu tinha sido desafiado e, não importa quantas lutas eu vencesse depois daquele dia, se eu não reagisse imediatamente, sempre haveria a dúvida. Nenhum Cavaleiro de Thay pode permitir dúvida a respeito de sua proeficiência, isso siginifica que se o combate vier até vc, sua obrigação é aceitá-lo e vencê-lo.

O decepcionante é que bons desafios são cada vez mais difíceis de se encontrar.

Fora dos muros de Thay (continuação)

Não demorou muito para que Klaus Larousse despertasse o interesse de um patrono. Essa era uma situação bastante comum em WaterDeep, pelo que pude perceber. Encoberto pela exuberância inebriante da cidade, com suas praças, centros comercias e pomposos prédios públicos, existia um submundo agitado e caótico. Onde forças poderosas operavam, promovendo ações que não raramente refletiam na vida de milhares de pessoas, assim como as ondas são apenas reflexos dos movimentos das águas profundas.

Incomum no entanto era o patrono que havia escolhido o aspirante a Mago Vermelho para deflagrar seus objetivos escusos. Tratava-se de uma senhora de aparência frágil, embora, mesmo naquela época em que eu era recém saído dos campos de treinamento, eu já soubesse que existiam outras formas de poder além da espada e dos feitiços. A misteriosa mulher se apresentou a nós. Digo nós porque ela havia chamado não só Klaus Larousse, mas também uma meia dúzia de pessoas e imagino que a visão daquele estranho grupo em volta de uma mesa era como a de um mosaico, onde as peças parecem afrontar-se umas às outras. Só mais tarde fui perceber que assim como o mosaico, bastava olhar as peças um pouco mais de longe que você logo perceberia o padrão que elas representavam.

Nesse momento foi servida uma farta refeição, eu me abstive de comer. Era óbvio, estava em serviço, na verdade sequer me sentei à mesa, permanecia dois passos atrás e um a direita de Klaus Larousse. Fazia isso para caso se mostrasse necessário eu poderia me aproximar rapidamente do Mago e protegê-lo com o escudo que carrego na mão esquerda. Este é um dos tecnicismos do meu trabalho, um dos mais simples pra dizer a verdade.

Depois de satisfeitos a mulher começou a discursar sobre trivialidades. Chamo de trivialidades porque a proposta que ela tinha para nós era simples: assassinato. Mas ela se deu ao trabalho de traçar motivos e razões que pretensamente justificariam a carnificina que iríamos promover. Aqueles assuntos não me interessavam, além disso, a decisão de aceitar ou não aquele trabalho não cabia a mim. E sem me consultar, Klaus Larousse aceitou matar o que pareciam ser um punhado de religiosos fanáticos. Eu poderia facilmente garantir a sua segurança, não havia motivos para censurá-lo.

Cumprimos o acordo naquela mesma noite. Eram dois pequenos cubículos que funcionavam como templos, dissimulados como casas convencionais. Não havia o que se pudesse chamar de defesa ou mesmo guarnição, e em poucos instantes tudo o que restou foram escombros, que os outros tiveram o cuidado de incendiar para evitar maiores investigações. Durante nossa breve batalha ocorreram-me algumas coisas.

A primeira era que dentre nós, exceto por mim, não haviam homens ou mulheres que pudessem ser considerados verdadeiramente guerreiros. Exceto, talvez, por um homem que lutava ao nosso lado, e atendia pelo nome de Jim. Tinha uma aparência única, que combinava com a excêntrica lâmina curva que ele usava. Apesar das diferenças, eu tinha que admitir que ele tinha habilidade. Os demais tinham talentos únicos e diversos, mas eram desajeitados e fracos para o combate. Se tivéssemos que permanecer juntos, eu sabia qual seria o meu papel naquele mosaico.

A outra coisa que me ocorreu foi que WaterDeep era uma cidade imensa, na qual viviam todo o tipo de gente. Deviam existir centenas desses pequenos templos clandestinos, desses deuses e de tantos outros. O que esses tinham de especial? Me ocorreu que a velha na taverna escondia algo. Minha dúvida durou muito pouco, leitor. No caminho de volta, enquanto passávamos pelo porto, as verdadeiras intenções de nosso patrono se revelaram.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Fora dos Muros de Thay

O desejo de todo Thayano é ser iniciado nas artes arcanas, debruçar-se sobre os livros, desvendar os segredos das magias e dos feitiços, para então, ter o seu conhecimento notado pelos Zulkyres e ser contemplado com o título de Mago Vermelho. A casta arcana que domina Thay e mais temida e respeitada em toda Faerûm.

Mas tal prestígio tem um preço.

Em troca de se aprofundarem nos mistérios das escolas arcanas, os Magos de Thay negligenciam o treino e aperfeiçoamento das artes de combate, e seu imenso poder é um atrativo natural da inveja e da ira de outros grupos menores. Os Magos Vermelhos são pouco eficientes em defender-se. Esse é o papel do Cavaleiro de Thay. Dizem que os Magos Vermelhos são praticamente invencíveis, se isto é verdade, o é porque juntam a dedicação infinita dos arcanos com a eficiência e técnica impecável da nossa milícia.

Minha narração começa antes mesmo da minha ascençao a Cavaleiro e bem longe das torres do reino vermelho. Eu era nada mais que um soldado, já havia feito a minha escolha, seria um Cavaleiro de Thay, restava impor esse desejo aos meus superiores e me provar digno deste título. Havia sido enviado para leste, além do grande deserto, numa imensa cidade chamada Waterdeep. Minha missão era acompanhar e proteger o aspirante a Mago Vermelho Klaus Larousse.

Na verdade tanto ele como eu aspirávamos a algo e, como é de costume na sociedade Thayana, os Zulkyres confiavam na competição entre os novatos para selecionar os melhores dentre os melhores, de forma que, somente pelo fato de perseguimos destinos diametralmente opostos, que nos era possível conviver pacificamente. Além disso, Klaus e eu já eramos conhecidos antes de sermos enviados em missão juntos.

Faço aqui um breve comentário que ficará claro no decorrer desta narração. Já naquela época, Klaus Larousse fazia parte de uma casta superior à minha, no entanto, não me lembro de vê-lo usar gratuitamente essa posição privilegiada e sempre ouviu com interesse respeitoso meus raros comentários e sugestões. Na verdade, tratava-me com relativa igualdade, fato que só fui entender completamente anos mais tarde.

Quanto a mim, a competição pouco preocupava, estava familiarizado com o combate e a disputa desde muito jovem e poucos sabem como é brutal e violento o treinamento dispensados aos soldados. Especialmente àqueles que serão destinados a tarefas como a minha. O que realmente me preocupava era Klaus Larousse. Não era preciso muito tempo de convivência com ele para ter uma amostra do seu caráter. Ele era muito ambicioso, mesmo para os padrões Thayanos, e parecia disposto à qualquer sacrifício para atingir seus objetivos. Também era extremamente talentoso nas artes arcanas e tinha uma mente engenhosa e sem escrúpulos. É claro que essa mistura não ia nos levar a nenhum paraíso, muito menos a dias tranqüilos.

Klaus Larousse desejava muito mais do que podia obter sozinho, cabia a mim ser sua sombra e garantir seus êxitos.

A Sombra

Eu me chamo Fério e atendo somente por esse nome. E tenho servido Thay já fazem alguns anos, primeiro como soldado, e depois como membro dos Cavaleiros de Thay. Minha intenção é narrar aqui a trajetória que fiz até completar o meu destino, e como passei a ver as coisas de uma forma completamente diferente daqueles que estavam comigo.

Dizem que apesar da alcunha de Cavaleiros, os Cavaleiros de Thay não têm um código de conduta próprio, eu humildemente discordo. Talvez quem olhe de fora veja apenas mas uma milícia como tantas outras em Faêrun, mas os Cavaleiros de Thay são uma Ordem singular, que jamais sobreviveria em uma sociedade complexa e rígida como a magocracia de Thay sem seus próprios códigos e padrões de conduta.

Prólogo

Não importa quem você é. Sua linhagem, seu passado, nada disso importa. Aqui, só importa o que você fez de você mesmo. O que você escolheu se tornar. Essa é a escolha fundamental e tudo o mais é conseqüência dela. Ler este livro é escolher seguir os meus passos e aceitar o destino que cabe a todos os que adentram o mundo dos Cavaleiros de Thay.

A escolha é um ato de liberdade, no nosso caso, o último. Vou facilitar a vida do leitor e lhe dar meu primeiro ensinamento: pergunte-se quanto vale a sua vida. Se a resposta for qualquer coisa diferente de "nada", feche este livro. Meu mundo não é para você.